Um novo tratamento para mieloma múltiplo, tipo de câncer no sangue ainda sem cura, reduziu em 83% o risco de avanço da doença ou morte, em comparação com o tratamento padrão.
O trabalho foi apresentado nesta terça-feira (9) na Reunião Anual da ASH (Sociedade Americana de Hematologia, na sigla em inglês), que acontece em Orlando, na Flórida. Os resultados foram publicados simultaneamente na revista científica The New England Journal of Medicine.
Segundo especialistas ouvidos pela CNN Brasil, a terapia experimental apresentada pelo estudo tem potencial de transformar o padrão de tratamento do mieloma múltiplo, principalmente entre pacientes que já sofreram uma recaída da doença anteriormente.
"Os resultados são impressionantes. Em um estudo que tem um braço comparador, de fase 3, o nível de superioridade [do novo tratamento] é muito alto", afirma Angelo Maiolino, presidente da ABHH (Associação Brasileira de Hematologia, Hemoterapia e Terapia Celular), à CNN Brasil.
Para Vânia Hungria, onco-hematologista e cofundadora da IMF (International Myeloma Foundation) na América Latina, o novo tratamento mostra uma superioridade muito alta em relação à estratégia terapêutica padrão.
"Hoje nós podemos falar na expectativa de ter uma cura funcional, que é aquele paciente que tem uma resposta tão profunda e sustentada por muitos anos [com os novos tratamentos]", afirma a especialista.
O que é mieloma múltiplo?
O mieloma múltiplo é um câncer caracterizado pelo aumento de plasmócitos, células sanguíneas que produzem os anticorpos, formando os plasmocitomas, um tipo de tumor maligno. Esse tumor pode ser intramedular (crescer dentro do osso) ou extramedular (fora do osso).
Esse tipo de câncer leva a sintomas como anemia, fragilidade e dor óssea (principalmente na região das costas), cálcio elevado e insuficiência renal. No Brasil, a incidência de casos é de 2,7 por 100 mil habitantes, de acordo com dados da Globocan (Global Cancer Observatory) 2020.
O mieloma é considerado uma doença rara e ainda sem cura. Com os tratamentos convencionais, a maioria dos pacientes morre em até cinco anos. Aqueles que sobrevivem tendem a alternar entre um período de remissão (sem o avanço da doença) e um período de progressão ou recidiva (retorno da doença). Isso faz com que eles passem por várias linhas de tratamento.
Geralmente, a doença é tratada, inicialmente, com quimioterapia e transplante de medula óssea, quando elegível, além do uso de corticoides, imunomoduladores e anticorpo monoclonal.
Como funciona o novo tratamento?
O estudo MajesTEC-3 é um trabalho de fase 3 em andamento que avalia a segurança e a eficácia de duas medicações no tratamento do mieloma múltiplo -- o TECVAYLI (teclistamab) e o DARZALEX FASPRO (daratumumab) -- em comparação com o tratamento padrão (daratumumab e dexametasona com pomalidomida ou bortezomibe - DPd/DVd).
O teclistamab é um anticorpo biespecífico que atua se ligando a duas células: a do mieloma e a da célula T, a principal do sistema imunológico. Ele faz com que o sistema imune célula do mieloma, aumentando a taxa de morte celular maligna (ou seja, destruindo o câncer).
Já o daratumumab é um anticorpo específico que atua atraindo as células de defesa do corpo para atacar a célula do mieloma, combatendo o câncer.
A combinação dos dois medicamentos, avaliada pelo estudo, foi indicada para pacientes com mieloma múltiplo que sofreram recaída da doença ou que não respondiam bem ao tratamento anterior. O tratamento é feito, inicialmente, com injeções semanais e, posteriormente, quinzenais e mensais.
O objetivo dos pesquisadores era entender se essa combinação poderia aumentar a sobrevida livre de progressão (tempo em que o paciente vive sem piora da doença) e se a resposta ao tratamento poderia ser melhor, diminuindo a taxa de doença residual (células cancerígenas presentes no sangue).
A nova combinação mostrou melhorias quando comparada ao tratamento padrão. Segundo o estudo, aqueles que receberam teclistamab e daratumumab tiveram uma redução de 54% no risco de morte, com 83% dos pacientes vivos em três anos, contra 65% no grupo que recebeu o tratamento convencional.
A taxa de sobrevida livre de progressão da doença também foi superior entre aqueles que receberam o novo tratamento: 83,4% em comparação a 29,7% no tratamento padrão, após três anos de acompanhamento.
Além disso, os pacientes ficaram por mais tempo sem sintomas do mieloma múltiplo, como dor óssea e anemia, o que indica melhora clara na qualidade de vida.
"A combinação de TECVAYLI e DARZALEX FASPRO oferece eficácia notável, um perfil de segurança bem caracterizado com protocolos robustos de controle de infecções e uma oportunidade de melhorar os resultados dos pacientes em ambientes acadêmicos e comunitários", avalia Maria-Victoria Mateos, médica consultora em hematologia do Hospital Universitário de Salamanca, na Espanha.
Quando o novo tratamento estará disponível?
Com base nos resultados do estudo, a Johnson & Johnson, empresa responsável pelo novo tratamento, submeteu um pedido suplementar de Licença Biológica (sBLA) para o uso de TECVAYLI e DARZALEX FASPRO em combinação como tratamento para mieloma múltiplo recidivado/refratário à FDA (Food and Drug Administration), órgão regulador dos Estados Unidos.
Segundo a empresa, o novo tratamento também já foi submetido para avaliação da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), no Brasil. Ainda não há previsão de quando o tratamento estará disponível para pacientes brasileiros.
CNN